terça-feira, 12 de maio de 2015

GOURMETIZAÇÃO DO MOFO

tenho pensado sobre como o processo de mercantilização/canonização de um autor passa pela estética das capas das reedições de seus livros. a pergunta é: o que leva a editora nova fronteira a estampar uma foto de manhattan na edição de 2015 de "morangos mofados"? isso é nonsense, visto que a única referência explícita a nova york na obra está num rápido inventário geracional que passa por outras duas capitais mundiais: “Bolsas na Sorbonne, chás com Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre nos 50, em Paris; 60 em Londres ouvindo here comes the sun, little darling, 70 em Nova York dançando disco-music no Studio 54 (...)". então por que nova york na capa e não paris ou londres? sim, pode ser que, indiretamente, nova york esteja pairando, em alguns contos, nas citações ocasionais à morte de Lennon no Central Park (que para Heloísa Buarque de Hollanda "parece ser o tema do livro"). mas objetivamente, as narrativas se passam entre rio de janeiro, são paulo e porto alegre. a título de comparação, na capa da primeira edição existe, no plano do fundo, um paredão de arranha-céus que pode representar qualquer grande metrópole, enquanto morangos e latas de lixo ocupam o primeiro plano. em 2015, ao contrário, a associação da imagem com uma cidade específica é inequívoca e imediata (mesmo que bastante arbitrária, com relação ao conteúdo do livro), e o morango se torna uma textura asséptica (na parte superior da imagem).


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