sábado, 22 de dezembro de 2012

Em “Ocidente”, de Nilson Galvão, temos poesia praticada com afinco, cavada no cotidiano e cultivada em versos que acolhem fricções permanentes entre ideias, sensações e a voz que as escreve. São poemas sem divisões estróficas, como se, com essa opção, o poeta buscasse intensificar o efeito de suas associações bruscas de imagens, por meio de uma ligação icônica entre elas (procedimento já anunciado no texto de abertura, “Buñuel”, p. 3). Com uma espécie de gestualismo estilístico, que enfeixa fluência coloquial e leve experimentalismo, o poeta trafega entre episódios domésticos e referências cinematográficas e literárias (Cortázar; os personagens clássicos Bartleby, Quixote e Ulisses; Pessoa – que inspira “À beira do Tejo”, p. 12). Transparece ao longo da leitura uma concepção de poesia como evento que provoca um “furo no cotidiano” (p. 36), como em “Acidente doméstico” (p. 9) e “Milagres” (p. 38), dois dos melhores textos do pequeno volume em forma de envelope da coleção Cartas Bahianas. Alguns desses (e vários outros) textos de Galvão podem ser lidos no blog Blag.

Texto publicado em Verbo 21 (ano 13, nº 161, dez. 2012).


Três poemas do livro:



GUIA DE VIAGENS



A fé conduziu
Dante.
O ácido, Huxley.
Vai-se, de um jeito
ou de outro, ao inferno
e ao céu.

(“Ocidente”, Nilson Galvão, p. 13)



COMO QUEIRAM



Como queiram
os deuses, e como
não queiram.
A um só tempo,
o tempo todo.

(“Ocidente”, Nilson Galvão, p. 13)



CARO EINSTEIN



Deus não joga
dados, joga dardos,
tão profusos quanto
raios de sol rajadas
de vento. A ricochetear
nas paredes da casa:
dardos cujos alvos
mudam sem parar.

(“Ocidente”, Nilson Galvão, p. 47)



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