quarta-feira, 18 de dezembro de 2019
Montagem de sensações que esmiúça o caos discursivo
sábado, 8 de novembro de 2014
As coisas “livres no olhar de cada um”
e feito raiz quebrarei os paralepípedos:
uma estranha árvore na confusão do tráfego.
(...)
Ninguém passará sobre meu corpo impunemente.
(Há no sinal vermelho olhos de crianças
não verdesperanças – olhos pretos de fomes infantis
reletidas nos vidros que se fecham)
O poeta fita o espaço urbano e percebe que nesse cenário não há lugar para a poesia: habita um “(...) jardim de pedras / onde um poema não resistirá ao peso das flores mortas”. Mas mesmo diante das adversidades, ele, gauche que é, ergue sua bandeira e escreve seu poema-construção – mostrando-se ciente, por outro lado, de que a realidade vista e vivida está sempre aquém e além de qualquer ideia ou emoção que o texto possa enunciar (como explicita o poema “Amar: verbo incurável”, no qual se lê: “tardo com palavras / o que os olhos já dizem ao léu”).
com uma descontinuidade simples
(...)
a casa se chama apartamento
estou na parte a que chamam quarto
meu corpo jaz sobre o que se chama cama
meus olhos olham o teto
a casa se chama apartamento
estou na parte a que chamam banheiro
meus pés no frio do que se chama chão
meus olhos nos olhos do espelho
(...)
[1] Mestrando em letras na Universidade Federal do Espírito Santo e autor dos livros Microafetos (poesia, 2005) e Macromundo (poesia, 2010).
sábado, 27 de setembro de 2014
O coração vermelho do homem sem guia

Texto publicado no caderno "Pensar" do jornal "A Gazeta" de Vitória (ES) do dia 27/09/2014
sábado, 22 de dezembro de 2012

Texto publicado em Verbo 21 (ano 13, nº 161, dez. 2012).
Três poemas do livro:
GUIA DE VIAGENS
A fé conduziu
Dante.
O ácido, Huxley.
Vai-se, de um jeito
ou de outro, ao inferno
e ao céu.
(“Ocidente”, Nilson Galvão, p. 13)
COMO QUEIRAM
Como queiram
os deuses, e como
não queiram.
A um só tempo,
o tempo todo.
(“Ocidente”, Nilson Galvão, p. 13)
CARO EINSTEIN
Deus não joga
dados, joga dardos,
tão profusos quanto
raios de sol rajadas
de vento. A ricochetear
nas paredes da casa:
dardos cujos alvos
mudam sem parar.
(“Ocidente”, Nilson Galvão, p. 47)
quarta-feira, 20 de abril de 2011
A ilha de Vitória na escrita noir de Saulo Ribeiro

A ilha de Vitória que aparece nos dois livros solo de Saulo Ribeiro – “Diana no Natal” (contos, Ed. Cousa) e “Ponto morto” (novela, Secult/ES), ambos lançados no último trimestre de 2010 – é um lugar sombrio, povoado por figuras marginalizadas e onde “condutas tipificadas pela lei como crimes” (“Ponto morto”, p. 15) estão sempre prestes a eclodir. Os narradores-personagens masculinos dos contos e da novela compartilham uma continuidade psicológica e discursiva que lhes permite ser abordados, neste breve comentário sobre o trabalho do escritor capixaba, como um só narrador-personagem: Luca Bandit, advogado de porta de cadeia autodefinido como “um machistazinho adorável” (“Diana...”, p. 39), “de índole vagabunda e personalidade contraventora” (“Diana...”, p. 56), “criado em meio ao coronelismo tardio do norte capixaba” (“Diana...”, p. 39).
Os contos curtos de “Diana...” montam um pequeno painel noir de Vitória, com a escolha do centro antigo como cenário quase exclusivo, a caracterização de uma cidade invariavelmente chuvosa e histórias que transcorrem à noite – quando pouco se enxerga além dos “guindastes do porto vistos por uma fresta entre dois prédios” (p. 66). É significativo que as capas dos dois livros são pretas e trazem cenas de chuva. A atmosfera noir da escrita de Saulo Ribeiro fica evidente logo no primeiro texto de “Diana...”: “Eu me sentia bem no escuro e patético na luz, invariavelmente" (p. 18).
Só no último texto do livro (“Tardes de píer”) a perspectiva tem uma ligeira mudança e o olhar, antes confinado ao ambiente opressivo da ilha, se volta para fora dela, buscando vislumbrar o horizonte e o mar. Se a noite se faz bastante presente nas páginas de “Diana...”, nesta página (p. 75) o narrador-personagem fala numa “manhã de estrada, ensaio de viagem” e diz que “O sol queria fazer sentido”.
Em “Ponto morto” esse olhar para fora de Vitória é ampliado à medida que o narrador-personagem circula por uma maior variedade de espaços: ele percorre a região metropolitana, no entorno da capital (Serra, Vila Velha, Cariacica, Guarapari), e, inversamente, se entranha de modo mais profundo à ilha, em incursões a comunidades dos morros e à “Baía Noroeste”. Um traço marcante em ambos os livros é o fato de que o observador que apreende a paisagem urbana está constantemente em movimento: a bordo de um carro, em caminhadas a pé pelas ruas ou em giros a esmo numa motocicleta em alta velocidade – comportamento à beira do autodestrutivo, que exprime, em grau máximo, a “vontade de partir” (“Ponto morto”, p. 93) de uma cidade onde os engarrafamentos ganham proporções gigantescas e até “os bichos (...) estão enlouquecendo” ("Ponto morto", p. 39).
Tal desejo de evasão do caos urbano é às vezes apenas sugerido e em outros momentos manifestado de maneira explícita, sendo direcionado tanto a um retorno impossível ao interior do Espírito Santo – na direção do centro originário da história pessoal de Luca Bandit ("Eu nunca deveria ter saído da roça e trocado tudo pelo sentimento portuário, essa é a verdade", p. 55 de "Ponto morto") –, quanto, centrifugamente, dirigindo-se a outros paradeiros possíveis (dos quais o mar e o porto de Vitória são símbolos recorrentes, concretizados, afinal, na megametrópole portuária terceiromundista para onde o personagem decide viajar no desfecho da novela).
entre em contato com Saulo Ribeiro ou com a Ed. Cousa.
quinta-feira, 14 de abril de 2011

“Não sei se não tenho nada a dizer, sei que não digo nada; não sei se o que teria a dizer não é dito por ser indizível (o indizível não está escondido na escrita, é aquilo que muito antes a desencadeou); sei que o que digo é branco, é neutro, é signo de uma vez por todas de um aniquilamento de uma vez por todas.”
(Georges Perec, “W ou a memória da infância”, tradução de Paulo Neves, Companhia das Letras, 1995, p. 54)
Perec desenvolve em “W ou a memória da infância” (lançado em 1975) uma experiência textual de entrelaçamento de suas lembranças de infância (na França ocupada da II Guerra) e duas narrativas ficcionais remotamente interrelacionadas (uma das quais, a segunda, é a reconstituição de uma história escrita pelo autor aos 13 anos, depois perdida e quase esquecida, e que trata, com verve alegórico-fantástica, de uma “sociedade preocupada apenas com o esporte, numa ilhota da Terra do Fogo”, p. 14). A composição heteróclita de “W” aponta para uma reflexão sobre os vazios e as lacunas deixados pelo tempo na memória individual e que são preenchidos pelo imaginário na elaboração de nossa história pessoal – aspecto do livro destacado pelas inúmeras notas (com correções, emendas e acréscimos) justapostas pelo próprio autor ao relato de sua infância e da separação e perda dos pais (o pai, aos quatro anos; a mãe, aos seis). A essa reinvenção da memória pela escritura corresponde, no plano estritamente ficcional da obra, o procedimento da súbita interrupção do “romance de aventuras” da primeira parte (narrado por um homem que adota o passaporte e a identidade de outro, após ter desertado do exército durante uma guerra), que “começa contando uma história e, de repente, se lança numa outra”, numa “fratura que suspende a narrativa em torno de não se sabe qual expectativa” (como indica Perec na nota sem título que abre o volume).
segunda-feira, 2 de agosto de 2010
“Palavras-cantigas de ninar”

Orelha que escrevi para o livro de estreia da catarinense-baiana Katherine Funke. "Notas mínimas" será lançado durante a 21ª Bienal do Livro de São Paulo, no dia 13 de agosto (sexta), às 18h,
no estande da Solisluna Editora (Rua L, n° 50).
A autora também estará circulando por Paraty durante a 8ª Flip,
com seu belo livro recheado de ilustrações de Enéas Guerra.
Um lançamento em Salvador também está por ser marcado.